“Nostalgia de Alfama”: Cartas ficcionais de António dos Santos
by on Janeiro 27, 2017 in De rua em rua

Querida Julieta,

A vida não é feita para lamentar. Talvez o passado seja apenas uma criação da nossa mente ou simplesmente aquilo que fizemos dele. Sei que é um vaivém de memórias boas e más: servem para algum propósito.

No passado que guardo dentro de mim não julgava encontrar-te, muito menos ver os dias assim ao teu lado. Houve um tempo para reflectir muita coisa e entender o que nos falta para respirar. Deste-me esperança e depois devolveste-ma. Por isso damos valor ao que nos fica para trás. Por isso, não destruímos mais a partir de certo momento.
Consigo ver a luz que tens dentro de ti sempre que fazemos amor, sempre que me entrego aos teus olhos e à candura da tua pele. Adoro quando me puxas para ti, como as marés no oceano.

Palavras são necessárias para a nossa breve existência e não me importo de as desnudar. Sentir um gotejar de letras na ponta dos meus dedos e deixá-las escorrer da minha pele molhada de sensações até à raiz da tua essência. Até na minha ausência as palavras vão perdurar e, um dia, quem sabe se eu mesmo existi. Escrever-te é saber como quero viver; saber que as palavras vão chegar a nascer e algo meu pode repousar em ti. Como se pudessem desnudar o teu desejo e dar calor em cada partida e em cada regresso.
Ainda não aprendi a estar com a saudade desde que vivo contigo. O sorriso que entregas a cada pessoa que passa por ti é o mesmo que me deixa caminhar.

Estou contigo em cada respirar. Porque te admiro. Porque gosto de ver-te brilhar em todos os instantes. É bom olhar-te sem que dês por isso; decorar os teus rostos e o teu carinho.
Levo-te comigo além desta casa e além deste tempo. Levo-te comigo…
 

Do teu António

Ilustração: José Pedro Sobreiro

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