“Nostalgia de Alfama”: Cartas Ficcionais de António dos Santos
by on Novembro 21, 2017 in De rua em rua

Minha querida Julieta,

Sempre que lembro os teus olhos na claridade da madrugada, sinto dentro de mim o caminho que juntos temos de percorrer. Ainda que esteja ausente da nossa cidade e do nosso lar, sei que continuas a ser o farol das nossas vidas.
Envia-me mais fotografias dos nossos meninos, tenho tantas saudades deles. Por vezes imagino como seria criarmos uma nova vida, um novo rumo com tudo o que temos.
Achas possível viver noutra cidade que não seja Lisboa? Onde iríamos encontrar as gaivotas que vemos no cais? E os pregões do mercado da Ribeira? E a côr desse céu ao cair da tarde onde tanta vezes nos perdemos sem saber onde vai dar a noite?

E se não existisse este acumular de obrigações que vamos inventando a vida inteira? Não entendo. Juro que não entendo como pode alguém deixar de viver a sua própria vida. O que há para além da nossa rotina?
Por vezes o mar não nos mostra onde vamos dar e ficamos completamente à deriva sem saber quanto tempo será assim. Mas apenas o mar nos pode devolver a terra firme. Aprendi a não ter medo de aventurar-me no oceano.
Cada vez que me lembrar de ti, naquele Verão no Alentejo, ficarei perdido naquele céu azul. Passaram tantos céus desde esse Verão, mas nós amamos da mesma forma. Buscamos uma eternidade que ninguém nos pode tirar. Com todas estas distâncias que nos deram a viver, continuamos a acreditar nos nossos sonhos. Deixemos a vida avançar, deixemos as nuvens dissipar as sombras que nos prendem. Temos de cumprir-nos. Importa olhar nos olhos da Humanidade. Não importa sermos felizes ou não. É importante saber viver dentro de nós mesmos, dentro daquilo que se nasceu para realizar. Tu realizas-me e fazes-me querer ser a melhor parte de nós.

O melhor que podia ter trazido nestas viagens foi a minha máquina de escrever. Preciso escrever-te todas estas palavras. Sei que vão atravessar o oceano e chegar junto de ti, das tuas mãos delicadas. E esses olhos que vão absorver cada carta em que me deixo existir. Só posso ser completo com a tua presença na minha vida. Nada mais importa. Estou a viver cada dia por ti nesta viagem. Por tudo aquilo que tu és. Às vezes penso que estou a escrever-te pela última vez e as palavras correm em mim como a água do rio. Entendo agora o poeta quando diz que amor é água que corre.

As ondas que me levam para junto de ti são serenas e suaves. Havemos de velejar os dois quando voltar à nossa cidade. Quando me fores esperar no cais com os nossos meninos, com o teu lenço bordado de lindas flores. Havemos de seguir viagem como naquele Verão… Lembras-te? Quando partimos sem dizer nada? Quando ninguém sabia de nós e andámos à deriva abraçados no vento? Daqueles fins de tarde no Alentejo? Das searas coloridas pelo Sol? Quem diria que estaríamos juntos agora? A nossa paixão deu lugar ao paraíso que vivo contigo. Não posso existir sem ti. O mundo é melhor contigo.

Tantos dias que não posso esquecer-me. O Sol dessas tardes faziam brilhar o teu rosto. Ficavas corada e menina com as minhas graças. Fui tão feliz nesses dias que nem queria voltar de comboio para Lisboa. Queria permanecer lá. Ainda hoje permaneço quando a memória me permite. A nossa juventude estará sempre guardada nas nossas mãos de cada vez que as entrelaçarmos. Consigo sentir o bem que construímos juntos durante tantos e bons anos.
Estou cada vez mais perto de regressar a casa.

Do teu António

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